Iniciando as
postagens do blog publico uma análise que fiz sobre o filme “A árvore da vida”
(2011). Para quem ainda não o assistiu advirto que o post contém menções expressas a algumas partes do filme, portanto, spoiler alert! Para os que já assistiram,
espero que aproveitem e não deixem de depositar suas opiniões nos comentários!
“A árvore da vida” de Terrence Malick – análise
“Tree of
life”, em português, “A árvore da vida” é um filme estadunidense de 2011,
escrito e dirigido por Terrence Malick e estrelado por Brad Pitt, Sean e
Jessica Chastain. O filme conta a história dos O’Brien (Pitt e Chastain) e a relação com seus filhos,
eminentemente conturbada pela educação rígida dada pelo pai.
Aos olhos de
alguns o filme pode ser considerado fascinante, já para outros, entediante,
dependendo como se analisa (ou não) a obra. Em todo o caso, proponho uma análise.
O filme
possui cerca de duas horas de duração, nas quais o telespectador é conduzido
por entre cenas de impressionantes detalhes fotográficos, apresentadas quase
como pinturas vivas da natureza, do universo, elemento este marcante em todo
filme: a origem das estrelas, supostamente dos primeiros seres vivos, assim por
diante.
Nessa mesma
linha encontra-se a música, a trilha sonora, utilizando-se de composições de Tchaikovsky
e Brahms entre outras, muitas vezes densamente carregadas de uma sensação de sacralidade,
frequentemente servindo até mesmo para antecipar os estados emocionais dos
personagens.
Os diálogos
e intercalações temporais entre o passado e o presente no filme, ou melhor, as
reminiscências dos personagens entrelaçam-se sempre para tentar explicar ou ao
menos demonstrar a realidade existencial de cada um.
Presencia-se
um panorama de reflexão existencial externada pela direção de Malick, o qual
nos traz infinitos questionamentos acerca do ser humano em sua dimensão
primária, que é a da família.
Um trecho
bíblico abre o filme:
“Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Quando
juntas cantavam as estrelas da manhã e jubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38: 4,
7).
O excerto
bíblico é o ponto de partida, a pedra-de-toque para entender em boa parte o
propósito da obra, isto é, a relação entre o personagem de Pitt com sua esposa
e seus filhos.
Historicamente,
Jó foi um homem que sofreu muito na vida, perdendo posses, saúde e
família. A imagem de Jó representa o
esforço máximo da resiliência humana e a inabalável fé que o homem pode ter em
relação a Deus.
O filme
aborda como o sofrimento afeta o ser humano.
“Os homens ensinaram que a vida segue dois
caminhos: o caminho da natureza e o caminho da graça. Você tem que escolher
qual dos dois caminhos irá seguir. Fomos ensinados que qualquer um que segue o
caminho da graça, nunca chega a um final ruim”.
A referida
fala pertence Sra. O’Brien, personagem de Chastain, lançada nos primeiros
minutos do filme para instaurar e evidenciar o conflito interno pelo qual ela
passa: a morte de um de seus filhos.
Ela acredita
no caminho da graça, assim, a morte de seu filho é um contrassenso, pois, para
ela aqueles que escolhem esse caminho não encontram um “final ruim”.
O caminho da
graça é aquele que “aceita insultos e
golpes” e que só responde “ao
desprezo, esquecimento e indiferença”. Essa é a imagem que ilustra a
personagem Sra. O’Brien no contexto da família: submissa, passiva e fraca.
No outro
polo encontra-se a Sr. O’Brien (Pitt), marido e pai de família rígido,
inflexível, controlador, que perfilha o caminho da natureza.
O caminho da
natureza é o daqueles que buscam somente a satisfação pessoal, onde as regras
são subjetivas. É o caminho do “prazer”.
Para o Sr.
O’Brien, seus filhos devem viver segundo os parâmetros que ele estipular: “Não a cruze, ok?”
“Frank Johnson começou como barbeiro. Ele
construiu algo grande(...) O mundo é controlado por um gatilho. Se você que ter
sucesso você não pode ser tão bom”.
Cuida-se da
filosofia de vida do pai, provocativa e litigiosa, onde tudo se encontra em
perpétuo estado de confronto e guerra. Lembra-me a filosofia de Clausewitz, em
que “a guerra é pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a
submeter-se à nossa vontade” (“Da Guerra”, Ed. Martins Fontes, 2010).
Para o
cristianismo, Deus é o pai de todos os homens, os quais foram feitos à sua
imagem e semelhança. Nesse sentido, os homens nascem para serem pais e os
filhos destes devem ser criados à sua imagem e semelhança.
A figura
paterna em si desempenha a função de modelo a ser seguido pelos filhos, ou
seja, os filhos copiam as atitudes do pai para, assim, igualarem-se a ele, seja
praticando aquilo que o pai ensina como certo, seja omitindo-se de praticar
aquilo que lhes foi ensinado como errado.
Jack, o
filho mais velho, retrata essa situação, pois ele se encontra em contradição
com relação ao pai do início ao fim do filme, principalmente do período da
infância à adolescência.
O garoto é criado e tratado como um soldado o
qual aos olhos do pai deve apenas obedecer ao que este diz. Qualquer
brincadeira é interpretada como uma fuga aos comandos paternos, um sinal
insubordinação; como afronta ao pai.
Vale dizer
que isso gera certa sensação de desconforto em Jack, que passa a nutrir
hostilidade e estranheza à figura do pai. Isso é revelado nos pensamentos do
personagem.
“Inventa histórias. Origem da palavra. Ele
diz para não colocarmos os cotovelos sobre a mesa. Mas ele faz isso. Ofende
pessoas ao seu redor”.
A noção de
“ser bom” para o garoto passa a ser duvidosa, pois, se aquele que deveria
ensiná-lo, isto é, o pai, o que é certo pratica o que é errado, do que vale ser
bom? Igualmente, a pusilanimidade da mãe apenas contribui para que isso se
cristalize na mente de Jack, pois ela nunca oferece oposição ao marido.
A imagem é a
perfeita representação do pai para os filhos, alguém que constringe seja
fisicamente ou psicologicamente. Não há liberdade.
“Ajudem-se. Amem a todos. Cada Folha. Cada
feixe de luz.”
A mensagem
sutil e significativa vem da mãe quando da viagem a negócios por parte do pai.
Ela aconselha os filhos que cada um siga os próprios caminhos, que não
persistam no caminho do pai (natureza).
“É a sua casa. Você pode me chutar quando
quiser. Você adoraria me matar. Pai. Porque ele nasceu?”
É o que o
pai escuta de Jack, o garoto declara implicitamente que não confia no pai, que
este vê o garoto como um estranho, e não como um filho. Novamente a metáfora de
Jó é trazida para história. “Onde você
estava quando lancei os alicerces da terra? Quando juntas cantavam as estrelas
da manhã e jubilavam todos os filhos de Deus?”
Onde você
estava pai quando nós, seus filhos, precisávamos mais de você? Onde está o pai
em que posso confiar?
A redenção
surge no final do filme, a partir da cena em que o pai agachado em uma horta
está retirando as folhas secas do que plantou. Fica a reflexão, do que adianta
arar, cultivar, plantar, se o resultado disso é a sequidão?
“Eu queria ser amado, porque eu era um grande
homem. Um homem importante. Eu não sou nada”.
Posteriormente,
o pai perde o cargo importante que tinha no trabalho e toda pseudo-realidade
vivida por ele é desconstruída, bem como o próprio ego.
Nas cenas
seguintes o cenário é tomado por um coro musical e por uma sucessão de novas
viagens no tempo na vida de Jack até situa-lo no presente, trabalhando em
alguma grande empresa, notadamente importante. Ele seguiu os passos do pai, o
tronco, a árvore da família, tornando-se uma ramificação deste, vivendo dentro
do vazio de sua própria existência.