segunda-feira, 2 de maio de 2016

Iniciando as postagens do blog publico uma análise que fiz sobre o filme “A árvore da vida” (2011). Para quem ainda não o assistiu advirto que o post contém menções expressas a algumas partes do filme, portanto, spoiler alert! Para os que já assistiram, espero que aproveitem e não deixem de depositar suas opiniões nos comentários!

“A árvore da vida” de Terrence Malick – análise

“Tree of life”, em português, “A árvore da vida” é um filme estadunidense de 2011, escrito e dirigido por Terrence Malick e estrelado por Brad Pitt, Sean e Jessica Chastain. O filme conta a história dos O’Brien (Pitt e Chastain) e a relação com seus filhos, eminentemente conturbada pela educação rígida dada pelo pai.



Aos olhos de alguns o filme pode ser considerado fascinante, já para outros, entediante, dependendo como se analisa (ou não) a obra. Em todo o caso, proponho uma análise.
O filme possui cerca de duas horas de duração, nas quais o telespectador é conduzido por entre cenas de impressionantes detalhes fotográficos, apresentadas quase como pinturas vivas da natureza, do universo, elemento este marcante em todo filme: a origem das estrelas, supostamente dos primeiros seres vivos, assim por diante.



Nessa mesma linha encontra-se a música, a trilha sonora, utilizando-se de composições de Tchaikovsky e Brahms entre outras, muitas vezes densamente carregadas de uma sensação de sacralidade, frequentemente servindo até mesmo para antecipar os estados emocionais dos personagens.

Os diálogos e intercalações temporais entre o passado e o presente no filme, ou melhor, as reminiscências dos personagens entrelaçam-se sempre para tentar explicar ou ao menos demonstrar a realidade existencial de cada um.

Presencia-se um panorama de reflexão existencial externada pela direção de Malick, o qual nos traz infinitos questionamentos acerca do ser humano em sua dimensão primária, que é a da família.

Um trecho bíblico abre o filme:



“Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Quando juntas cantavam as estrelas da manhã e jubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38: 4, 7).

O excerto bíblico é o ponto de partida, a pedra-de-toque para entender em boa parte o propósito da obra, isto é, a relação entre o personagem de Pitt com sua esposa e seus filhos.

Historicamente, Jó foi um homem que sofreu muito na vida, perdendo posses, saúde e família.  A imagem de Jó representa o esforço máximo da resiliência humana e a inabalável fé que o homem pode ter em relação a Deus.



O filme aborda como o sofrimento afeta o ser humano.

“Os homens ensinaram que a vida segue dois caminhos: o caminho da natureza e o caminho da graça. Você tem que escolher qual dos dois caminhos irá seguir. Fomos ensinados que qualquer um que segue o caminho da graça, nunca chega a um final ruim”.


A referida fala pertence Sra. O’Brien, personagem de Chastain, lançada nos primeiros minutos do filme para instaurar e evidenciar o conflito interno pelo qual ela passa: a morte de um de seus filhos.


Ela acredita no caminho da graça, assim, a morte de seu filho é um contrassenso, pois, para ela aqueles que escolhem esse caminho não encontram um “final ruim”.

O caminho da graça é aquele que “aceita insultos e golpes” e que só responde “ao desprezo, esquecimento e indiferença”. Essa é a imagem que ilustra a personagem Sra. O’Brien no contexto da família: submissa, passiva e fraca.

No outro polo encontra-se a Sr. O’Brien (Pitt), marido e pai de família rígido, inflexível, controlador, que perfilha o caminho da natureza.

O caminho da natureza é o daqueles que buscam somente a satisfação pessoal, onde as regras são subjetivas. É o caminho do “prazer”.

Para o Sr. O’Brien, seus filhos devem viver segundo os parâmetros que ele estipular: “Não a cruze, ok?”


“Frank Johnson começou como barbeiro. Ele construiu algo grande(...) O mundo é controlado por um gatilho. Se você que ter sucesso você não pode ser tão bom”.

Cuida-se da filosofia de vida do pai, provocativa e litigiosa, onde tudo se encontra em perpétuo estado de confronto e guerra. Lembra-me a filosofia de Clausewitz, em que “a guerra é pois um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (“Da Guerra”, Ed. Martins Fontes, 2010).


Para o cristianismo, Deus é o pai de todos os homens, os quais foram feitos à sua imagem e semelhança. Nesse sentido, os homens nascem para serem pais e os filhos destes devem ser criados à sua imagem e semelhança.

A figura paterna em si desempenha a função de modelo a ser seguido pelos filhos, ou seja, os filhos copiam as atitudes do pai para, assim, igualarem-se a ele, seja praticando aquilo que o pai ensina como certo, seja omitindo-se de praticar aquilo que lhes foi ensinado como errado.
Jack, o filho mais velho, retrata essa situação, pois ele se encontra em contradição com relação ao pai do início ao fim do filme, principalmente do período da infância à adolescência.


 O garoto é criado e tratado como um soldado o qual aos olhos do pai deve apenas obedecer ao que este diz. Qualquer brincadeira é interpretada como uma fuga aos comandos paternos, um sinal insubordinação; como afronta ao pai.

Vale dizer que isso gera certa sensação de desconforto em Jack, que passa a nutrir hostilidade e estranheza à figura do pai. Isso é revelado nos pensamentos do personagem.

“Inventa histórias. Origem da palavra. Ele diz para não colocarmos os cotovelos sobre a mesa. Mas ele faz isso. Ofende pessoas ao seu redor”.


A noção de “ser bom” para o garoto passa a ser duvidosa, pois, se aquele que deveria ensiná-lo, isto é, o pai, o que é certo pratica o que é errado, do que vale ser bom? Igualmente, a pusilanimidade da mãe apenas contribui para que isso se cristalize na mente de Jack, pois ela nunca oferece oposição ao marido.


A imagem é a perfeita representação do pai para os filhos, alguém que constringe seja fisicamente ou psicologicamente. Não há liberdade.


“Ajudem-se. Amem a todos. Cada Folha. Cada feixe de luz.”

A mensagem sutil e significativa vem da mãe quando da viagem a negócios por parte do pai. Ela aconselha os filhos que cada um siga os próprios caminhos, que não persistam no caminho do pai (natureza).

“É a sua casa. Você pode me chutar quando quiser. Você adoraria me matar. Pai. Porque ele nasceu?”

É o que o pai escuta de Jack, o garoto declara implicitamente que não confia no pai, que este vê o garoto como um estranho, e não como um filho. Novamente a metáfora de Jó é trazida para história. “Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Quando juntas cantavam as estrelas da manhã e jubilavam todos os filhos de Deus?”


Onde você estava pai quando nós, seus filhos, precisávamos mais de você? Onde está o pai em que posso confiar?


A redenção surge no final do filme, a partir da cena em que o pai agachado em uma horta está retirando as folhas secas do que plantou. Fica a reflexão, do que adianta arar, cultivar, plantar, se o resultado disso é a sequidão?


“Eu queria ser amado, porque eu era um grande homem. Um homem importante. Eu não sou nada”.

Posteriormente, o pai perde o cargo importante que tinha no trabalho e toda pseudo-realidade vivida por ele é desconstruída, bem como o próprio ego.


Nas cenas seguintes o cenário é tomado por um coro musical e por uma sucessão de novas viagens no tempo na vida de Jack até situa-lo no presente, trabalhando em alguma grande empresa, notadamente importante. Ele seguiu os passos do pai, o tronco, a árvore da família, tornando-se uma ramificação deste, vivendo dentro do vazio de sua própria existência.